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Maria Luisa Mendonça

A região do MATOPIBA abrange parte dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Esta área de Cerrado – remanescente em cada um desses estados – tem sido alvo da especulação imobiliária agrícola e da expansão do agronegócio[1]. Tida como a savana mais rica do mundo por sua enorme biodiversidade de fauna e flora, o Cerrado é chamado de “berço das águas”, abrigando as nascentes dos principais rios do país. Sua vegetação possui raízes muito profundas, que formam importantes reservatórios de água subterrânea, e suas comunidades rurais — indígenas, quilombolas, brejeiras, ribeirinhas e camponesas — guardam importantes conhecimentos sobre o cuidado com a terra, com a biodiversidade e com as fontes de água[2].


A partir da crise econômica mundial de 2008 e do colapso do setor imobiliário nos Estados Unidos, empresas financeiras internacionais passaram a atuar no mercado de terras no Brasil, o que gerou mudanças no perfil do agronegócio nacional e estimulou a entrada de empresas estrangeiras de diferentes setores – não só agrícolas, mas também financeiras, automotivas e petroleiras[3]. Empresas financeiras internacionais, como fundos de pensão, passam a especular com terras agrícolas no Brasil e estimulam a expansão de monocultivos em parceria com o agronegócio nacional e internacional[4].

Consequentemente, a especulação sobre o preço da terra no MATOPIBA transformou a região em zona de interesse para grileiros locais. A possibilidade da compra de terras a preço baixo ocorre no processo de grilagem para formação de fazendas, que promove o desmatamento do Cerrado. Isso se verifica sobre terras devolutas ou do Estado, nas quais comunidades rurais têm vivido e produzido alimentos há muitas gerações por meio da posse[5]. Entende-se por grilagem o ato ilegal de forjar titularidade de terras, expulsando comunidades locais para posteriormente vender ou arrendar a propriedade como se estivesse legalizada.

A presença de empresas internacionais no MATOPIBA estimula a expansão de monocultivos, principalmente de soja, que gera enormes impactos sociais e ambientais. A especulação ocorre nas chapadas, utilizadas historicamente pelas comunidades para criação de animais e coleta de plantas, além de afetar os baixões, que são locais de moradia e de produção de alimentos. Muitos baixões também têm sido grilados por empresas, que registram essas áreas como reservas florestais depois de desmatarem as chapadas.

Os monocultivos mecanizados e irrigados nas chapadas, o desmatamento, o uso de agrotóxicos e de outros insumos químicos pelo agronegócio causam poluição dos rios e do solo. Os agrotóxicos são muitas vezes despejados por meio de aviões – o que configura prática ilegal –, contaminando as águas e a produção de alimentos nas comunidades. O processo de destruição do Cerrado tem modificado o regime pluviométrico da região, que agora sofre com a seca. Muitas nascentes de rios foram destruídas pelas empresas de soja, que retiram água para os pivôs centrais dos monocultivos, escasseando e poluindo o lençol freático.

Empresas internacionais e especulação com terras

Principalmente após 2011, a possibilidade do agronegócio acessar créditos com base em promessas de produção futura diminuiu significativamente[6]. Muitas usinas de açúcar e etanol endividadas em dólar entraram em falência com a queda mundial do preço das commodities. Neste contexto ocorreram inúmeras fusões entre empresas a fim de acessar novos créditos[7].

Um desses exemplos é a constituição, em 2008, da empresa Radar Propriedades Agrícolas, tendo como principais acionistas a Cosan e a Mansilla[8], criada para especular com terras agrícolas. Dados de 2012 indicavam que a Radar controlava 151.468 hectares, avaliados em R$ 2,35 bilhões. Em relação a 2011 a variação de seu portfólio foi de 93%, quando o preço das terras subiu em média 56%. Atualmente a Radar detém 555 propriedades, com aproximadamente 270 mil hectares de terras no valor declarado de 5,2 bilhões de reais[9].

A principal fonte do capital da Radar é a empresa TIAA, que administra fundos de pensão nos Estados Unidos avaliados em aproximadamente US$ 1 trilhão e atua nos mercados internacionais de terras. A TIAA arrecada capital de outras fontes, como dos fundos de pensão sueco AP2, do canadense Caisse de Dépôts et Placement du Quebec, do canadense British Columbia Investment Management Corporation (bcIMC), do holandês Stichting Pensionenfonds AEP, do alemão Ärzteversorung WestfalenLippe, do inglês Cummins UK Pension Plan Trustee Ltd. e dos norte-americanos Environment Agency Pension Fund, Greater Manchester Pension Fund e New Mexico State Investment Council[10].

Para atuar no Brasil, a TIAA criou a empresa Mansilla, uma subsidiária brasileira de capital estrangeiro, proprietária da Radar em sociedade com a Cosan. Em 2005, a Cosan abriu seu capital na Bolsa de Valores e, em 2008, associou-se à Shell, formando a empresa Raízen, que estimulou a concentração da produção de etanol pelo setor petroleiro[11]. Diversas empresas nos moldes da Radar surgiram após este período. A SLC Agrícola, por exemplo, maior produtora de grãos do Brasil, administra a SLC Land Co. em sociedade com fundos internacionais para compra, venda e arrendamento de terras[12].

As principais áreas de interesse dessas empresas são as que possuem potencial de expansão do monocultivo de commodities, chamadas de “novas” fronteiras da exploração agrícola, como o MATOPIBA. A especulação retroalimenta a inflação do ativo terra, o que impulsiona o interesse pelo negócio. Porém, o monocultivo de commodities causa destruição do solo, das fontes de água e da biodiversidade, o que provoca a diminuição da produtividade agrícola e, consequentemente, do preço da terra.

A terceirização dos negócios com terras

Empresas financeiras internacionais promovem a “terceirização” de seus negócios com terras no Brasil para ocultar sua responsabilidade pelas consequências socioambientais causadas pela expansão do agronegócio. A terra agricultável é tratada como ativo financeiro de fundos internacionais que buscam se isentar da responsabilidade por impactos causados com a especulação, pois não se apresentam como proprietários diretos das terras.

A “terceirização” consiste em criar diversas empresas com os mesmos administradores, assim como subsidiárias que negociam terras entre si, fazendo parecer que são de proprietários distintos. Por exemplo, Cosan e TIAA (essa por meio da Mansilla e da TerraViva Brasil Participações LTDA) formaram sociedades com Radar e Tellus respectivamente. TIAA adquiriu outras empresas no Brasil, como a Nova Gaia Brasil Participações LTDA. A Tellus lançava debêntures no mercado[13], que foram compradas por Radar e Nova Gaia. Porém, a fonte de recursos partia de Cosan e TIAA, parecendo vir de diversas empresas. A Tellus utilizou este mecanismo para comprar terras por meio de outras subsidiárias[14].

A criação de diversas empresas subsidiárias serve para dificultar a localização das terras negociadas e esconder os impactos de seus negócios. A “terceirização” oculta, assim, a participação de empresas internacionais diante da legislação que limita a propriedade de terras por estrangeiros no Brasil. Apesar deste mecanismo, em 2020 o Tribunal de Justiça da Bahia ordenou o bloqueio das matrículas de 107 mil hectares da Gleba Campo Largo, no município de Cotegipe, adquiridos ilegalmente pela Caracol Agropecuária, subsidiária do fundo de investimentos da Universidade de Harvard. Outra decisão importante foi o parecer técnico da Divisão de Fiscalização e Controle de Aquisição por Estrangeiros (DFC-2) do INCRA, que reconheceu a nulidade das aquisições de dezenas de imóveis rurais realizadas pela parceria entre TIAA e Cosan, que resultou na criação das empresas do Grupo Radar[15]. Estas decisões evidenciam o papel de empresas financeiras internacionais no mercado de terras no Brasil[16].

Considerações finais

A expansão territorial de monocultivos é estimulada por agentes financeiros, principalmente fundos de pensão e de investimentos internacionais que se associam ao agronegócio no Brasil. Não há contradição entre os interesses das empresas financeiras internacionais e os da oligarquia latifundista local. Pelo contrário, o conhecido mecanismo de grilagem de terras é utilizado em “novas” fronteiras agrícolas para facilitar a atuação de agentes internacionais no mercado local de terras.

As oligarquias rurais se articulam também para modificar a legislação brasileira, com o objetivo de facilitar a grilagem de terras, como no caso do Projeto de Lei nº 2.633/20, que busca permitir a regularização de terras através de autodeclaração, sem fiscalização ou vistoria, para imóveis de até seis módulos fiscais, que podem chegar a 660 hectares.

A expansão territorial do agronegócio procura compensar a perda de produtividade causada pela destruição dos solos, da biodiversidade e das fontes de água. Este processo intensifica a expulsão de comunidades rurais de suas terras e a consequente migração para centros urbanos, além de incitar a exploração do trabalho e a violência contra povos indígenas, quilombolas e camponeses. O papel da produção agrícola para o mercado local, através da agroecologia e da agricultura de subsistência, é comumente subestimado ou mesmo ignorado nos dados econômicos oficiais, apesar de ser responsável por garantir o sustento da maioria da população com alimentos saudáveis.

Para receber créditos especiais e subsídios, o agronegócio utiliza a justificativa de sua suposta contribuição para a economia. Porém, o cálculo de sua participação no Produto Interno Bruto (PIB) não inclui rolagem de enormes dívidas e outros impactos, como grilagem de terras e destruição ambiental. Tanto historicamente quanto na atualidade, a manutenção do sistema agrícola extensivo, baseado em monocultivos para exportação, demanda uma política estatal que gera passivo econômico[17].

A formação de monopólios entre empresas brasileiras e estrangeiras permite maior acesso a créditos bancários a juros abaixo da média do mercado e outros subsídios estatais, o que gera maior dependência do setor agrícola em relação ao mercado financeiro. Tal processo aprofunda o papel subordinado do Brasil como fornecedor de matérias primas agrícolas e minerais a partir da demanda externa, além de implicar no endividamento do Estado para cobrir custos de produção com maquinário e insumos químicos.

A atuação de empresas internacionais no mercado de terras no Brasil e seu estímulo à expansão do monocultivo de commodities acelera a destruição ambiental. Em 2020 e 2021 ocorreram queimadas sem precedentes na Amazônia, no Pantanal e no Cerrado, cujos impactos continuam sendo devastadores para toda a sociedade. A destruição da biodiversidade também representa um risco para a saúde pública. A pandemia mundial causada pela Covid-19 e as crises econômicas e ambientais demandam uma reflexão profunda sobre o uso da terra e sobre a urgência da proteção da biodiversidade. É preciso priorizar efetivamente a agricultura ecológica e a produção local de alimentos a fim de construir soberania alimentar.

 

 

[1] A palavra de agronegócio foi adaptada no Brasil a partir do conceito de agribusiness, que teve sua origem na School of Business Administration da Universidade de Harvard, com a publicação do livro de John Davis e Ray Goldberg, A Concept of Agribusiness, em 1957. Este conceito se baseou no processo de industrialização da agricultura e em políticas estatais de apoio a monocultivos extensivos dependentes de insumos químicos e do uso intensivo de água e energia. Mais detalhes em: Mendonça, Maria Luisa. 2018. Economia Política do agronegócio. São Paulo: Editora Annablume.

[2] Podcast, Aqui é meu lugar: a resistência das comunidades rurais na proteção dos territórios, <https://www.social.org.br/livros-2/37-podcasts/282-podcast-aqui-e-meu-lugar-a-resistencia-das-comunidades-rurais-na-protecao-dos-territorios>

[3] MENDONÇA, Maria Luisa; PITTA, Fábio T.; XAVIER, Carlos Vinicius. A Agroindústria canavieira e a crise econômica mundial. São Paulo, Editora Outras Expressões, 2012. <https://www.social.org.br/pub/revistas-portugues/145-a-agroindustria-canavieira-e-a-crise-economica-mundial13>

[4] PITTA, Fabio.; CERDAS, Gerardo.; MENDONÇA, Maria Luisa. Imobiliárias agrícolas transnacionais e a especulação com terras no Brasil. Disponível em: <https://www.social.org.br/index.php/pub/revistas-portugues/207-imobilia-rias-agri-colas-transnacionais-e-a-especulac-a-o-com-terras-na-regia-o-do-matopiba.html>

[5] STEFANO, Daniela; LIMA, Débora; MENDONÇA, Maria Luisa. Especulação com terras na região Matopiba e impactos socioambientais, 2020. <https://www.social.org.br/pub/revistas-portugues/252-especulacao-com-terras-na-regiao-matopiba-e-impactos-socioambientais>

[6] PITTA, Fábio T. As transformações na reprodução fictícia do capital na agroindústria canavieira paulista: do Proálcool à crise de 2008. Tese de doutorado, USP, 2016.

[7] PITTA, Fábio T.; MENDONÇA, Maria Luisa. A empresa Radar S/A e a especulação com terras no Brasil. São Paulo, Outras Expressões, 2015. <https://www.social.org.br/pub/revistas-portugues/188-a-empresa-radar-s-…;

[8] “Contrato de Capital” da Radar, Ministério da Fazenda, 27 de agosto de 2008.

[9] MOREIRA, Lourenço. A Corporação Cosan e a Conquista de um Território em Torno de sua Usina de Etanol em Jataí, Goiás (2007-2012). Dissertação (Mestrado em Geografia), Instituto de Geociências, UFRJ, 2013, p. 58 - 59. As informações foram obtidas junto à Cosan.

[10] PITTA, Fábio T.; MENDONÇA, Maria Luisa. A empresa Radar S/A e a especulação com terras no Brasil. São Paulo, Outras Expressões, 2015. <https://www.social.org.br/pub/revistas-portugues/188-a-empresa-radar-s-a-e-a-especulacao-com-terras-no-brasil>

[11] MENDONÇA, Maria Luisa; PITTA, Fábio T.; XAVIER, Carlos Vinicius. Monopólio na Produção de Etanol no Brasil: A fusão Cosan-Shell, 2011: <https://www.social.org.br/revistacosanshel.pdf>

[12] PITTA, Fabio.; CERDAS, Gerardo.; MENDONÇA, Maria Luisa. Imobiliárias agrícolas transnacionais e a especulação com terras no Brasil. Disponível em: <https://www.social.org.br/index.php/pub/revistas-portugues/207-imobilia-rias-agri-colas-transnacionais-e-a-especulac-a-o-com-terras-na-regia-o-do-matopiba.html>

[13] Títulos de dívidas emitidos por empresas como forma de crédito ou empréstimo.

[14] PITTA, Fábio T.; MENDONÇA, Maria Luisa. A empresa Radar S/A e a especulação com terras no Brasil. São Paulo, Outras Expressões, 2015. <https://www.social.org.br/pub/revistas-portugues/188-a-empresa-radar-s-a-e-a-especulacao-com-terras-no-brasil>

[15] Relatório da AATR, Rede Social de Justiça e Direitos Humanos e Grain INCRA e Poder Judiciário reconhecem fraudes na aquisição de terras no Brasil por TIAA-CREF/COSAN e Universidade de Harvard: <https://www.social.org.br/index.php/reports/relatorios-portugues/254-in…;

[16] PITTA, Fabio.; CERDAS, Gerardo.; MENDONÇA, Maria Luisa. Imobiliárias agrícolas transnacionais e a especulação com terras no Brasil. Disponível em: <https://www.social.org.br/index.php/pub/revistas-portugues/207-imobilia-rias-agri-colas-transnacionais-e-a-especulac-a-o-com-terras-na-regia-o-do-matopiba.html>

[17] Mendonça, Maria Luisa. 2018. Economia Política do agronegócio. São Paulo: Editora Annablume.