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Relatórios
 

Em oito meses de pesquisa, 123 homicídios foram praticados, a maior incidência foi no mês de maio e a menor incidência no mês de agosto, com uma média de 15.37 homicídios ao mês, sendo as maiores vítimas pessoas do sexo masculino (88.94%), na faixa etária de 20 a 30 anos (46.96%). 

 Um Novo Maranhão, Sem Violência, É Possível.

*Josiane Gamba

 “Nosso belo pais nunca foi tão infeliz, todo dia é a mesma agonia, rumores de crise e turbulência, a cidade é um campo minado em meio a medo e a violência. Não haverá paz, não haverá jamais, ordem e progresso algum sem justiça e políticas sociais, sem leis iguais pra qualquer um”                             Versão de “Know  yourself mankind” de Albert Griffiths

  

 Sábado. Domingo. Fim de Semana, enfim sol, praia, música, cerveja gelada na ilha do amor. Ilha do amor? Nem tanto, esta tranqüilidade e harmonia já não fazem parte da prática social do maranhense como em outros tempos, quando se transitava tranqüilamente nas noites e madrugadas vindo das festas e festejos, das matracas e pandeirões.

 Segundo levantamento realizado pela Sociedade Maranhense de Direitos Humanos[1], o qual faz parte do Banco de Dados sobre Violência Criminalizada, idealizado pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos e organizado nos estados através das entidades filiadas à rede do MNDH, 76,79% dos homicídios ocorridos no Maranhão e divulgados pela imprensa acontecem em São Luís, nos finais de semana (53.62%), sendo que 37,08% são praticados na madrugada e 30,37% à noite.

 O local com maior incidência de homicídios é a via pública (50,33%), seguido da residência da vítima com 14,26%. A arma branca é o principal instrumento do crime de homicídio(48.41%), contra 42,02% de armas de fogo.

 Em oito meses de pesquisa, 123 homicídios foram praticados, a maior incidência foi no mês de maio e a menor incidência no mês de agosto, com uma média de 15.37 homicídios ao mês, sendo as maiores vítimas pessoas do sexo masculino (88.94%), na faixa etária de 20 a 30 anos (46.96%), observando-se que no mês de fevereiro a maior incidência de vítimas foi de crianças de 0 a 10 anos, com 16,67% e que o número de pessoas com mais de 50 anos que são assassinadas chega a 4.46%.

 Outro aspecto interessante, em relação a quem é vítima de homicídio no Maranhão, relaciona-se à prática de atos ilícitos – 14% das vítimas tinham envolvimento com atos ilícitos anteriores e destaca-se também como vítimas os desempregados, comerciantes, estudantes e policiais.

 Em relação à autoria, a totalidade dos homicídios divulgados nos dois órgãos da imprensa pesquisados, durante os oito meses, é praticada por pessoas do sexo masculino, na metade dos casos os órgãos da imprensa pesquisados não indicam a faixa etária, e nos casos identificados há destaque para pessoas na faixa etária de 20 a 30 anos (28.46). 29% dos homicidas estão envolvidos com atos ilícitos, 9,23% são companheiros ou ex-companheiros das vítimas, 8.57% são parentes ou pessoas próximas (colegas) e 4,16% são policiais. Destaca-se ainda que 6,99% dos autores estão envolvidos com as denominadas “galeras”.

 A maioria dos homicídios é atribuída ao acerto de contas (27,38%), incluindo-se neste item todas as soluções de conflito por conta própria, excluindo-se, porém os homicídios oriundos do acerto de contas entre “galeras”, que alcança 9,70%. A segunda maior motivação é a ação criminosa, principalmente assaltos/roubos (16,42%). A reação à ação criminosa alcança 6,01% dos homicídios e o ciúme 4,32%.

 De todos os dados coletados percebe-se a vulnerabilidade da população nas noites e madrugadas, ocasião em que ocorre a maioria das atividades culturais e lúdicas da cidade, bem como há uma busca de resolução dos crimes através de recursos próprios, os denominados “acertos de contas”, marcado, talvez pela falta de acesso à justiça e de desconfiança na polícia e na eficácia das instituições para solucionar e punir conflitos, o que alimenta a cultura da violência e da banalização da vida.

 Tanto as vítimas, como algozes são significativamente homens jovens, pobres e envolvidos na criminalidade, com atuação expressiva nas denominadas “galeras”, que são constituídas de jovens pobres dos bairros excluídos da grande São Luís, a quem são negados os direitos humanos e de cidadania, para quem liberdade, igualdade e justiça são apenas palavras sem significado. A pesquisa demonstra que o mundo do crime, a ação entre galeras gera um ritmo de autodestruição e um ciclo de violência permanente, que ceifa vidas.

 Para superar essa realidade destruidora é preciso enfrentar a realidade concreta e recompor as estruturas do Estado, promovendo uma verdadeira inversão de prioridades, onde o eixo seja a dignidade humana, a qualidade de vida, a moralização das instituições.

 O desafio está lançado. É preciso implementar políticas públicas que promovam, protejam e reparem direitos humanos violados, que possibilitem às populações pobres do campo e da cidade moradia, água tratada, saneamento, coleta de lixo, renda, educação, meio ambiente saudável, que inverta o índice de concentração de terra e de distribuição de renda. Somente alterando os dramáticos indicadores econômicos e sociais, se inverterá também os indicadores de violência e criminalidade.

 Um novo Maranhão é possível com a construção de um novo código de comportamento, onde as relações sejam alicerçadas nos princípios da solidariedade e cidadania, que rompam com o medo, com a impunidade, com a necessidade de resolução de conflitos pelas próprias mãos e meios, restabelecendo assim a confiança nas instituições, superando a negação de oportunidades. Essa inversão é possível, pois a criminalidade é um fenômeno social induzido pela exclusão, pela discriminação, pela corrupção e pela impunidade. Portanto, pode ser revertido e sua reversão é a conquista dos que sabem lutar por Direitos Humanos e Cidadania.

 

*Josiane Gamba é Advogada da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos e Coordenadora de Organização e Projetos do MNDH.

 


[1]A presente coleta de dados diz respeito somente às noticias divulgadas em dois grandes órgãos da imprensa do Estado, os jornais: O Imparcial e o Jornal Pequeno, no período de janeiro a agosto de 2004.