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Relatórios


O índice de analfabetismo encontrado no censo de 2000 identifica um universo de 16 milhões de pessoas, ou seja, 16,63% da população acima de 14 anos não têm o domínio da leitura e da escrita. No Brasil há cerca de 50 milhões de pessoas acima de 14 anos, quase 34% da população nesta faixa etária, que não concluíram as quatro primeiras séries do ensino fundamental.

O direito à Educação

Sérgio Haddad[1]      

Garantido em tratados e acordos internacionais, além de leis nacionais, no Brasil, o direito universal à educação ainda está longe de ser concretizado. Dados e informações oficiais dão conta da ampliação da oferta de vagas para o ensino fundamental e redução dos índices de analfabetismo. No entanto, a ação governamental tem sido insuficiente para garantir qualidade e universalidade no atendimento, como tentamos demonstrar neste artigo.

O índice de analfabetismo encontrado no censo de 2000 identifica um universo de 16 milhões de pessoas, 16,63% da população acima de 14 anos sem o domínio da leitura e da escrita. Acrescendo a ele o índice de analfabetismo funcional - grupos que não concluíram as 4 primeiras séries do ensino fundamental -, conclui-se que no Brasil há 50 milhões de pessoas acima de 14 anos, quase 34% da população nesta faixa etária, que não conseguem utilizar a leitura e a escrita no seu cotidiano familiar, de trabalho e comunitário

Quanto ao ensino fundamental, a Constituição Brasileira no seu artigo 208 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação no seu artigo 4o determinam que o dever do Estado para com a educação será efetivado mediante a garantia de “ensino fundamental obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria”.

De acordo com informações oficiais do Governo Federal, a taxa de escolarização líquida das pessoas entre 7 e 14 anos atingiu, em 1999, 95,4% da população dessa faixa etária. Tomando esses índices e acrescentando o número de evadidos, conclui-se que há no Brasil mais de 2 milhões de pessoas fora da escola entre 7 e 14 anos.

Considerando os elevados índices de evasão e repetência no nosso sistema escolar, apenas uma pequena parte da população faz sua escolarização de maneira regular entre os 7 e os 14 anos, o que nos faz concluir que o direito ao ensino fundamental está apenas socializado para um pequeno número de pessoas. Hoje, no Brasil, em torno de 60% da população acima de 14 anos não teve cumprido o direito constitucional pelo ensino fundamental.

Qualidade de Ensino

Os dados quantitativos demonstram que o Brasil vem expandido suas vagas em todos os níveis de ensino; mas a democratização do sistema por vagas tem seu limite nos péssimos indicadores de qualidade. Hoje, os pobres vivenciam um novo tipo de exclusão social, não mais pela ausência de vagas, mas pela inoperância do sistema público de ensino que, por sua má qualidade, limita o sentido democratizador que a educação pode exercer. Com a expansão do sistema privado de ensino, as elites do nosso país garantem o futuro das suas novas gerações.

Investimentos
Nos últimos anos, o investimento federal no ensino fundamental limitou-se à criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino e Valorização do Magistério – Fundef que, segundo informações oficiais, é um mecanismo que visa “promoção da qualidade do ensino fundamental (...) e estabelece o gasto mínimo por aluno/ano, dos recursos previstos na Constituição Federal. Às unidades da federação que não atingirem esse mínimo per capita haverá complementação por parte do Governo Federal (..) A União completa os recursos do Fundo sempre que, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, seu valor por aluno não alcançar o mínimo definido nacionalmente”.

A primeira controvérsia em relação ao Fundef refere-se à fixação do “custo aluno”, que contraria a lei no. 9.424/96. Esta desobediência resultou no rebaixamento do valor de R$ 418,56 para R$ 315,00 (1999). Como o Governo Federal vem desobedecendo a legislação desde 1998, a dívida da União para com os estados já ultrapassa os R$ 8 bilhões.

Na prática, o rebaixamento do custo/aluno faz com que poucos estados sejam contemplados com a complementação do governo federal. Em 1998, apenas Alagoas, Bahia, Ceará, Mato Grosso do Sul, Pará, Pernambuco e Piauí foram beneficiados com a complementação federal, num valor de R$ 543.348.500,00.

Se naquele ano a lei tivesse sido aplicada, o custo/aluno teria sido de R$ 418,56, beneficiando também os estados de Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Norte, Rondônia, Sergipe e Tocantins.

Abaixo, um quadro demonstrativo sobre a dívida da União para com estados e municípios em função da desobediência à lei que regula o custo/aluno.

Repasse da União para o FUNDEF (em R$)

Ano
Valor Decreto Presidencial
Valor Legal
Complementação efetuada pela União
Complementação prevista em Lei
Dívida da União
1998
315,00
418,56
486.656.300
1.971.322.800
1.484.666.500
1999
315,00
418,56
579.989.000
1.852.827.000
1.272.838.000
2000
333,00 e 349,65
455,23 e 478,00
485.455.000
1.988.498.900
1.503.043.900
2001
363,00 e 381,15
522,13 e 548,23
445.258.200
2.310.316.600
1.865.058.400
2002
418,00 e 438,90
613,67 e 644,35
871.868.800
3.665.728.700
2.793.859.900
Total
--
--
2.869.227.300
11.788.694.000
8.919.466.900

Fonte: Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados

Ainda sobre o Fundef, há controvérsias em relação à sua eficácia na “valorização dos profissionais”. Para o governo, o Fundef teve “impacto positivo sobre o salário do corpo docente”, com aumento médio de 29,5% no período de dezembro de 1997 a junho de 2000, para os professores das redes públicas estaduais e municipais de ensino fundamental. Já informações de organizações da sociedade civil revelam que “o reajuste foi de 18,4% nas redes municipais e de 7,7% nas estaduais, sendo que a maior parte dos reajustes foi concedida em forma de abono, porque as administrações evitaram a constituição de um piso salarial profissional. No mesmo período, multiplicaram-se as contratações precárias e temporárias. Ficaram excluídos de qualquer benefício do Fundef as merendeiras, os porteiros, os auxiliares de administração escolar e de manutenção da infra-estrutura”.

Por último, é preciso destacar que a criação do Fundef gerou ainda prejuízos para a educação infantil e para a educação de jovens e adultos. Os dois segmentos não são contemplados com os recursos do Fundef, ficando totalmente dependentes dos recursos municipais. De acordo com a Undime, entidade que congrega os secretários municipais de educação, a adoção do Fundef provocou redução de 2,2% na oferta de educação infantil.

Quanto à educação de jovens e adultos, o governo federal vetou o dispositivo legal que permitia a inclusão de matrículas desse segmento em cursos presenciais para efeito do repasse de verbas contrariando inclusive o espírito da Educação para Todos, presente na Constituição e na nova LDB.

Assim, não há política pública destinada à escolarização de jovens e adultos. Por parte do Governo Federal, há a pulverização de alguns projetos, de iniciativa de diferentes ministérios, e também o apoio ao trabalho da ONG “Alfabetização Solidária”, que vem atuando em alguns municípios, sempre em parceria com outros atores da sociedade civil.

Também por meio de parcerias com entidades da sociedade civil, alguns municípios têm implementado ações de escolarização para este público, o que está longe de atingir a universalização da oferta de ensino para jovens e adultos.

Bolsa-Escola
A efetivação de programas compensatórios que, oficialmente, têm por objetivo combater a evasão e a repetência escolar, como o Bolsa-Escola, também não tem atingido seus objetivos.

Criado pela lei 9.354/97, que passou a vigorar em março/98, somente em 2001 o Programa “Bolsa-Escola” teve recursos alocados para sua efetivação. Ainda assim, monitoramento do orçamento federal feito pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos - Inesc detectou que, ano a ano, vem havendo redução dos investimentos nas áreas sociais, inclusive no referido programa, que em 2001 teve execução orçamentária de apenas 33% do valor destinado, o que significa que o governo deixou de utilizar R$ 1 bilhão já previsto para o mesmo.

Ensino Superior
A redução de investimentos governamentais também atingiu o ensino superior. Foram destinados para as universidades federais R$ 6,1 bilhões em 1995; R$5,6 bilhões em 1996; R$ 5,3 bilhões em 1997; R$ 4,8 bilhões em 1998; e R$ 5,5 bilhões em 1999.

Atualmente, a oferta de vagas públicas e gratuitas, neste nível de ensino, corresponde a aproximadamente 40% das matrículas. Apesar dessa “privatização”, não houve a implementação de programas de bolsas de estudos que considerassem, inclusive, a crise econômica que atinge o País, gerando baixos salários e altos índices de desemprego.

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[1] Secretário Executivo da ONG Ação Educativa e professor da PUC – SP. Exerce atualmente a presidência da ABONG – Associação Brasileira de ONGs. O documento contou com o apoio de Mariângela Graciano

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